Educação financeira deverá fazer parte do currículo escolar



Administrar um clube diurno para vampiros exige dedicação. O proprietário precisa atrair clientes, gastar menos do que ganha e guardar dinheiro para o futuro – lembrando que a vida de um vampiro pode ser muito, muito longa. Ensinar crianças a lidar com dinheiro também exige dedicação e muita, muita criatividade, como a demonstrada no jogo de vampiros Bite Nightclub (“Clube da Mordida”).

Ele foi desenvolvido nos Estados Unidos e apresentado numa conferência de educação financeira em novembro. Por lá, prossegue um agitado debate público sobre como preparar os americanos para uma vida financeira mais saudável, mas sem soterrar os alunos e professores com conceitos chatíssimos. Pelo menos 15 dos 50 estados decidiram levar esse tipo de conteúdo para as escolas. O governo brasileiro acredita que o país está pronto para dar esse passo: um decreto presidencial baixado em dezembro institui uma Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef). 

O primeiro efeito prático da medida será treinar professores de 440 escolas públicas em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Distrito Federal, Ceará e Tocantins, em 2011. Se esse programa-piloto funcionar a contento, a educação financeira poderá se difundir pelo ensino fundamental a partir de 2012. Pelo plano atual, o tema será abordado nas aulas já existentes, e não como uma nova disciplina – como já acontece com saúde, meio ambiente, diversidade cultural e orientação sexual. Mas isso dá certo?

A preocupação com o analfabetismo financeiro tem razão de ser. Em novembro, subiu 7,7% a inadimplência dos brasileiros com lojas e prestadores de serviços. Entre outros dados preocupantes, 87% das famílias não poupam para o futuro, 82% dos consumidores não atentam para as taxas de juros ao contratar empréstimos, 25% enfrentam restrições na praça para conseguir crédito e apenas 8% dos investidores aplicam em ações, segundo pesquisas diversas, aceitas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM, o órgão que supervisiona o mercado de capitais e coordenou a formulação da Enef). Mesmo assim, a falta de intimidade do brasileiro com a economia empalidece diante de uma outra constatação: a escola pública mal consegue ensinar o conteúdo tradicional. 



Os alunos não aprendem a ler, escrever e fazer operações matemáticas de maneira aceitável, o que colocou o país num vergonhoso 53º lugar entre 65 países no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa). “Se o Estado ensinasse as crianças a ler bem, a ler o mundo, elas estariam mais preparadas para tudo, inclusive lidar com dinheiro”, diz Cássia D’Aquino, especialista no tema e representante no Brasil do Programa Global para Educação Financeira, uma iniciativa multinacional voltada a populações de baixa renda. 

O brasileiro poderia ter uma vida melhor e mais feliz se aprendesse a evitar dívidas, poupar e investir melhor. O Brasil tem um banco de iniciativas criativas no campo do ensino de finanças, como o Desafio Bovespa, que desde 2006 ensina alunos do nível médio a investir. Os adolescentes aprendem primeiro em aulas teóricas, depois investindo dinheiro virtual em ações. Em 2010, a vencedora foi uma escola estadual da capital paulista, a Antonio Lisboa.

Bons professores certamente poderão colocar temas como “finanças” e “planejamento de longo prazo” a serviço do ensino de matemática e outras disciplinas, para tornar suas aulas mais animadas e conectadas à vida real – mas, para isso, precisarão do treinamento correto e de definições mais claras sobre o conteúdo. No debate atual, o rótulo “educação financeira” vem abrigando temas tão díspares quanto ética, uso de impostos por parte do governo e impacto ambiental do consumismo. 

Essas pendências terão de ser resolvidas durante o programa-piloto iniciado em agosto. Ele envolverá cerca de 880 escolas – 440 receberão o novo conteúdo e 440 não o receberão, a fim de servir como grupo de controle, para comparação de resultados. O governo encomendou a impressão de mais de 60 mil livros de educação financeira para alunos e professores. Espera-se que essa não seja uma lição sobre mau uso do dinheiro público, e que uma mudança no currículo, mesmo se for opcional para as escolas, sirva para formar alunos melhores, e não apenas para que o governo gaste com novos livros e consultores.


Fonte: Época